sexta-feira, 17 de julho de 2015

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

# 135

"É da maior importância que as crianças aprendam a trabalhar. O homem é o único animal que tem de trabalhar (...) O homem tem de estar de tal modo ocupado, que, com o propósito que tem em vista realizar dessa maneira, não se sinta a si mesmo e que o seu melhor repouso seja aquele que se segue ao trabalho. A criança tem de ser, pois, habituada a trabalhar. E onde a não ser na escola se deve cultivar a inclinação para o trabalho? A escola é uma cultura por coação". 

(Kant, Sobre a Pedagogia, Edições 70, p. 47).

# 134

«Quanto a Guilherme, do Catujal, e lavador de carros, a procurador quer vê-lo atrás das grades por ter resistido à detenção da PSP e ferido um agente, quando tentou soltar a namorada grávida do meios dos policiais (...) “O Estado português está a pagar a um funcionário, que está de baixa e de cuja actividade não pode desfrutar, porque o Guilherme o incapacitou para o trabalho”». (in Jornal de Notícias, 27/08/2014).

A argumentação insidiosa da procuradora é mais ao menos a seguinte: ao agredir o polícia, o Guilherme prejudicou não só um elemento da força de trabalho estatal como lesou o Estado no seu conjunto, mais especificamente o orçamento do Estado, que é como quem diz todos os cidadãos. Ergo: o Guilherme é um perigo para toda a sociedade.

# 133

"Um inquérito feito este ano pela Associação Portuguesa de Psicologia da Saúde Ocupacional (APPSO) a uma amostra de 3619 trabalhadores revela que sete em cada dez representantes da geração milénio - nascidas entre 1982 e 1993 - dizem sentir um vazio ao ir de férias."
In Jornal i, 27 de Julho de 2014

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

# 132



“Vamos convir que o trabalho não é agradável”, observam ainda os desembargadores Eduardo Petersen Silva, Frias Rodrigues e Paula Ferreira Roberto. “Note-se que, com álcool, o trabalhador pode esquecer as agruras da vida e empenhar-se muito mais a lançar frigoríficos sobre camiões, e por isso, na alegria da imensa diversidade da vida, o público servido até pode achar que aquele trabalhador alegre é muito produtivo e um excelente e rápido removedor de electrodomésticos.”

(in Público, 31/07/2013).

quinta-feira, 25 de abril de 2013

# 130

"Ajuda às famílias em troca de boas notas" escolares das crianças.

O ministro da educação já tinha afirmado que devemos ensinar às crianças que "estudar vale a pena para poder ganhar mais dinheiro”. Esse princípio ainda colocava o rendimento do estudo das crianças como um horizonte subjectivo a longo prazo. Mas agora que os abonos de familia se foram há quem queira ir mais longe e fazer desse objectivo remoto da educação um mecanismo quotidiano de socialização infantil: uma associação de "utilidade pública" do Douro, apelidada de Bagos d'Ouro, fundada pelo padre Amadeu Castro, tem como princípio "ajudar" as famílias "desfavorecidas" em função do "rendimento" escolar das respectivas crianças. Num contexto de desemprego estrutural dos adultos, miúdos e miúdas de seis anos não só devem assumir-se como sujeitos concorrenciais como ficam também literalmente responsáveis por pôr o jantar na mesa. O idiota do padreco  fala por isso como um verdadeiro teólogo do mercado: "Dar, ajudar mas ter também sempre alguma coisa em troca. E esse algo em troca é que eles tenham uma boa carreira, um bom sucesso educacional, que na escola obtenham resultados. Porque cada vez mais nós vemos uma sociedade em que o descarregar (!) a consciência é dar (!)". Que é como quem diz: "não há jantares grátis".

sábado, 2 de fevereiro de 2013

# 129

A propósito da metafísica do trabalho no feminismo moderno, Roswitha Scholz faz notar que «na história moderna das ideias do patriarcado capitalista encontram-se alguns projectos de filosofia de vida que apresentam a mulher como o “indivíduo mais completo” em comparação com o homem, porque ela, enquanto dona de casa e mãe (e desde logo em correspondência com todo o seu carácter) que está fora do processo laboral, não tem tendência à unidimensionalidade, e tem portanto os sentimentos melhor integrados. Quando nos falam assim, não se trata senão da versão pós-moderna, invertida nos pólos, da visão patriarcal: a mulher como dona de casa e mãe não é mais “completa” pelo facto de estar fora do processo laboral, mas antes o contrário, é mais “completa” como pessoa “duplamente socializada”.» Por isso mesmo, espera-se hoje que a mulher “queira tudo” e “faça tudo”; que, por um lado, trate dos filhos, das refeições, dos pais e sogros acamados ou doentes, do conforto do marido e suas necessidadezinhas sexuais e de atenção e, por outro lado, que tenha um emprego, que faça carreira, que traga dinheiro para casa. Que se transforme naquilo a que Scholz chamou “eierlegende Wollmilchsau”, cujo equivalente em português seria uma “faz-tudo”, um “pau para toda a obra”, mas que traduzido literalmente significa “uma porca que dá leite, lã e ovos”. A “dupla socialização” não deve por isso ser vista como uma forma positiva, prova de uma suposta capacidade feminina inata de multifuncionalidade, mas antes como uma condição social negativa da fase actual do patriarcado capitalista.

Este modelo feminino atravessa todas as classes sociais, e se por um lado é dilacerante para as classes baixas por outro lado é apresentado apologeticamente através das mulheres que desempenham cargos de liderança ou maior visibilidade em campos de conotação masculina, com destaque para a política; Roswitha Scholz refere nesse contexto a admiração geral do feminismo por destacadas mulheres da política alemã, nomeadamente a ministra da família Ursula von der Leyen, “figura que, sem esforço, reúne em si a boneca Barbie, a mãe de sete filhos, a que cuida dos pais com Alzheimer e a mulher de carreira”. Em Portugal, a referência neste âmbito parece ser a super-mulher-super-ministra Assunção Cristas, sobretudo agora que está grávida do quarto filho.

Os múltiplos desdobramentos exigidos pelo desenvolvimento da “dupla socialização” só podem entretanto ser garantidos se a totalidade das actividades femininas (tanto as laborais como as de reprodução) forem, senão desempenhadas, pelo menos organizadas de acordo com a lógica do trabalho abstracto. A “dupla socialização” não é já apenas a sensação de “ter dois trabalhos”, mas antes gerir as duas vidas como se fosse um só trabalho. Não é por acaso que Assunção Cristas defende que a «estratégia para conciliar vida de deputada, professora, mãe de três filhos e um casamento de 12 anos é encarar tudo como uma vida só: "Não há duas vidas, só uma”». Esta “uma vida” só pode ser uma vida formalmente subsumida à lógica temporal e empresarial do trabalho abstracto, independentemente do conteúdo das actividades. No caso de Assunção Cristas, conhece-se «de cor os horários das missas em Lisboa»; e aos filhos, «também já ensinou que o mais importante ao domingo é ir à missa. “O resto é acessório”». Toda a vida pessoal é agora medida com critérios de produtividade, por isso se considera aqui que «os três anos mais produtivos (!) da sua vida foram os que passou no Gabinete de Política Legislativa e Planeamento do Ministério da Justiça (...): concluiu a tese de doutoramento em Direito Privado; teve o segundo filho e ficou grávida do terceiro; e trabalhou com três governos».

Aqui são já bem visíveis alguns traços do que o patriarcado produtor de mercadorias espera da dupla socialização das mulheres do século XXI: a mulher é afectuosa, mas há um tempo para os afectos; mas também não é só afectuosa, é eficaz nos afectos. A mulher duplamente socializada não é só um objecto de desejo sexual; é um sujeito verdadeiramente profissional do sexo. Não se limita a comprar as mercadorias para o jantar com o salário do marido; compra-as com o seu próprio salário. Não cozinha apenas bem; cozinha rápido. Não governa apenas a casa; governa todo um ministério. O mesmo é dizer: “uma porca que dá leite, lã e ovos”.

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

sábado, 24 de novembro de 2012

# 125

A pedagogia justiceira do trabalho abstracto

"... abstraindo de quaisquer outras sanções que possam caber a esses actos, permito-me recomendar que os responsáveis sejam condenados na pena de prestação de trabalho a favor da comunidade. Não seria pedagógico e "reconfortante" que os autores do apedrejamento fossem obrigados a reconstituir a calçada danificada, recolocando nela, laboriosamente, as pedras que retiraram? Eis uma virtuosa aplicação da justiça restaurativa que, por certo, seria bem aceite pelos cidadãos". (Rui Pereira, in Correio da Manhã, 22 de Novembro de 2012)

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

# 124

"Empresa chinesa dá bónus a quem namorar colega de trabalho".

“O anúncio do «Bónus Amor» foi feito a 11 de Novembro, quando é comemorado uma espécie de dia dos namorados chinês. A empresa tem cerca de 30 funcionários, boa parte deles solteiros. Segundo os seus executivos, que foram entrevistados pelo jornal chinês People´s Daily, a compensação foi criada porque muitos pareciam estar deprimidos e cabisbaixos”.

“Deprimidos e cabisbaixos” por estarem solteiros ou por estarem a trabalhar?

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

# 123

Crise da sociedade do trabalho ilustrada (24 vezes por segundo).

el Empleo, curta-metragem de animação de Santiago 'Bou' Grasso; video.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

# 122

O fetiche do trabalho em Miguel Macedo

Miguel Macedo já havia dito que Portugal não pode ser "um país de muitas cigarras e poucas formigas", vendo nisso "uma homenagem ao trabalho de todos aqueles que criam riqueza no país". Mas o fetiche do trabalho tem raízes tão profundas em Macedo que este atribui a responsabilidade dos distúrbios de ontem "a meia dúzia de profissionais da desordem" ao mesmo tempo que elogia o "profissionalismo" da polícia. E tanto profissionalismo é garantia de uma coisa séria.

# 121

"Apesar da greve, da minha parte não deixei de trabalhar".
Cavaco Silva (in Público, 14 de Novembro)

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

# 120

"Trabalho e pão".

Slogan da campanha de Hitler para as eleições de 1932, apropriando-se da retórica e linguagem gráfica do KPD (partido comunista alemão).

# 119

“O crescimento da economia não se faz com desemprego, muito menos com acabar com tudo aquilo que poderia ser eventualmente a grande força de um crescimento da economia que era dar a possibilidade às pessoas de trabalhar, de fazerem alguma coisa e de terem acima de tudo vontade de trabalhar, e a vontade de trabalhar cresce também naturalmente com aquilo que advém do trabalho, que é a remuneração (...) Viva a produção! E com greve não há produção. Por isso vamos fazer a greve geral para perceberem que sem produção não há sociedade. Viva a nossa sociedade! Viva o povo! Estou convosco.” (video).

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

# 117

Olimpíadas Europeias do Trabalho - EuroSkills, Spa-Francorchamps 2012

“Nos dias 4 a 6 de outubro, no mítico circuito automóvel deSpa-Francorchamps (Bruxelas), numa corrida contra o tempo em busca de um lugar no pódio, mais de 400 jovens profissionais qualificados, oriundos de 27 países europeus, representando 44 profissões, competiram entre si, no âmbito da 3.ª edição do EuroSkills” 

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

# 116

O trabalho abstracto como “meta clara de aprendizagem” escolar

"A escola moderna é onde se aprende, onde se respeitam os professores, é a que tem metas claras de aprendizagem, onde se avalia, onde se ensina os jovens que a vida não é só alegria, a vida é muito trabalho". 

Nuno Crato, Ministro da Educação (in Diário de Notícias, 24 de Outubro de 2012)

domingo, 30 de setembro de 2012

# 112

«Crianças do 1º ciclo "trabalham" mais do que os adultos»

Muitas crianças portuguesas entre os seis e os dez anos trabalham como alunas tanto ou mais do que os adultos, com oito horas diárias na escola a que muitas vezes acrescem trabalhos de casa "repetitivos e inúteis".
(in Diário de Notícias, 30 de Setembro de 2012)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

# 111

Quando Adriana Xavier perguntou "Porque é que vocês estão aqui?", o polícia respondeu: "É o meu trabalho" (trabalho morto # 107).

Quando agora a revista VIP pergunta à Adriana o que gostaria que esse momento "trouxesse à sua vida" a resposta é exemplar: "gostava que me desse uma oportunidade profissional".

Será que há vagas no corpo de intervenção?

sábado, 22 de setembro de 2012

# 110

"Benetton quer encontrar 'Desempregado do Ano'".


"Marca italiana desafia jovens desempregados de todo o mundo, entre os 18 e os 30 anos, a relatarem o seu “currículo do desemprego”. Os 100 projectos mais votados serão financiados com 5 mil euros".


(in Público, 18 de Setembro de 2012)

terça-feira, 18 de setembro de 2012

# 108

"Quando marco não celebro porque só estou a fazer o meu trabalho. Quando o carteiro entrega as cartas, ele celebra?"

(Mario Balotelli, aqui)

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

# 107

«A certa altura, fixou-se num agente em particular. “Já tinha sido lançada uma bomba de fumo”, diz. “Já tinha olhado para ele, quando ele ainda não tinha a viseira. Tinha um olhar triste. Mas tinha um olhar aberto também. Sou muito sensível nestas coisas”, conta a aluna de Artes Visuais. “Fui ter com ele e perguntei-lhe: ‘Por que é que vocês estão aqui? Para provocar alguma reacção má?’ Ele disse: ‘É o meu trabalho.’»

(in "Não fui a primeira pessoa a abraçar um polícia", Público, 17.09.2012)

terça-feira, 31 de julho de 2012

# 105

"O Verão para mim significa muito trabalho (...) Este ano consegui tirar alguns dias de férias mas o trabalho é a minha verdadeira paixão neste momento. Dedico-me sempre a 100% e só quero ver trabalho à frente".

(Mia Rose, in Correio da Manhã, 30 de Julho 2012)

quinta-feira, 5 de julho de 2012

# 104

Uma aporia exemplar

«As mulheres mineiras lutam para conservar o seu trabalho e a sua forma de vida, apesar de reconhecerem que "a mina não é trabalho nem para mulheres nem para homens; não é trabalho para pessoas". Mas em algumas zonas é o único que há. Ou que havia»

(in La mina no tiene sexo, interviu.es, 2 de Julho de 2012)

sábado, 9 de junho de 2012

# 101











Como resultado de um “trabalho revolucionário”, o bairro da Mouraria em Lisboa é este fim-de-semana uma “aldeia de Potemkin”. Grigory Potemkin foi um ministro Russo da segunda metade do século XVIII, líder da campanha militar da Crimeia, que, segundo a lenda, mandou erguer aí diversas aldeias falsas através da construção de fachadas de edifícios ocos, a propósito da visita da Imperatriz Catarina II e restantes ministros em 1787, de modo a iludi-los quanto à riqueza das suas conquistas. Com esse estratagema, cuja veracidade ou dimensão é ainda hoje sujeita a debate, Potemkin inaugurou a lista dos políticos pantomineiros modernos e estabeleceu um expediente daí em diante comum na sociedade do espectáculo.

Após um ano de “trabalhos” de reabilitação urbana de substância mais ou menos discutível a que os Potemkins de serviço chamam de “enorme revolução”, o bairro da Mouraria foi na última semana palco de uma expedita, gigantesca e madrugadora operação de maquilhagem urbana. Assim, vários edifícios em ruínas ou em risco de derrocada foram pintados de fresco, limpos todos os grafites e pintadas todas as portadas, enquanto nos edifícios abandonados e emparedados, alguns deles de propriedade pública, foram disfarçadas as paredes de tijolos que há anos preenchem os vãos; tudo isto visando preparar a visita do presidente da república e sua comitiva este fim-de-semana, que aí se desloca para ser visto na televisão. Mas, ao contrário do evento organizado por Potemkin, tudo isto é também um cenário de amplo conhecimento público; o que faz do espectáculo de hoje uma farsa com papéis para todos.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

# 100


«Tal como os indivíduos apenas são "livres" e "autónomos" na medida em que tomam as suas decisões no âmbito da forma capitalista, mantendo-se compatíveis com a "necessidade" da cega valorização do valor e as respectivas leis pseudo-naturais, eles apenas são "iguais" na medida em que se encontrem igualmente submetidos à forma do valor, sendo sujeitos da sua realização. O "ser humano enquanto tal" é o Homem meramente abstracto; o Homem, na medida em que pode ser sujeito do valor. É apenas a isso que se reporta o seu "reconhecimento" enquanto Homem, e é apenas neste sentido que ele pode possuir "direitos do Homem" universais e ser um sujeito jurídico no âmbito de estruturas estatais. Daí decorre que no exterior disso, ou seja, fora do implacavelmente limitativo universo da forma do valor, ele deixa de ter qualquer semelhança com um ser humano, vendo-se reduzido ao patamar dos animais ou da vil matéria. A capacidade legal geral e, por extensão, também a referente aos direitos humanos, encontra-se assim vinculada à capacidade de valorização, de trabalho, de venda, de financiamento ou, por uma palavra: à "rentabilidade" da existência que, para qualquer outro efeito, é declarada "objectivamente" nula» in Kurz, Robert (2003); Ontologia Negativa. As eminências pardas do Iluminismo e a metafísica histórica da Modernidade.

sábado, 19 de maio de 2012

# 99

"O último português com emprego" (Crónica matinal de Ricardo Araújo Pereira na Rádio Comercial; ouvir).

Ironizando com a afirmação de Passos Coelho de que estar desempregado pode ser uma "oportunidade para mudar de vida", Ricardo Araújo Pereira faz uma antevisão do mercado de trabalho em Portugal em Maio de 2013, quando resta apenas um indivíduo empregado. Nesse processo, Ricardo coloca-se numa aporia insolúvel: por um lado, tem de desmentir satiricamente Passos Coelho, o que também significa que o emprego tem de ser apresentado de forma positiva; por outro, a caricatura do último português empregado não pode deixar de ser também a caricatura da vida miserável de todos os empregados e do mal-estar que secretamente todos sentem. Por isso também é dito: "Toda a gente que eu conheço já conseguiu desempregar-se e eu continuo a ir para o trabalho todas as manhãs armado em parvo". A ambiguidade atravessa assim toda a crónica, hesitando entre o elogio implícito ao "trabalho abstracto" e o seu reconhecimento como algo desprezível e sem sentido. Como não ver na irónica definição de emprego dada essa mesma ambiguidade: "Ora bem como é que eu hei-de explicar: isto consiste em trabalhar, ou seja, desenvolver... vamos lá... labuta a troco de uma determinada verba". Se o desemprego não é uma "oportunidade para mudar de vida", o emprego também não o é.

domingo, 13 de maio de 2012

# 97


No quadro da sociedade do trabalho não há “livre escolha” senão dentro da “jaula de ferro” da valorização do capital, que se mantém como pressuposto a priori de toda a reprodução social. Por isso mesmo, Passos Coelho acrescenta que a "livre escolha" consiste afinal em escolher entre o mau e o pior: “no meio da crise em que estamos, claro que é preferível ter trabalho, mesmo precário, do que não ter, claro que é preferível trabalhar mais do que não trabalhar, vender mais barato do que não vender”, mas “o modelo para o futuro tem de ser o de acrescentar valor”.

Entretanto, a indignação moralista da esquerda em torno da inverdade da afirmação de Passos Coelho silenciou a possibilidade de um desvio radical promissor: a crise de desemprego estrutural como "oportunidade para mudar de vida" e de irmos verdadeiramente para lá da sociedade do trabalho.

terça-feira, 8 de maio de 2012

# 94

"Não vivo na fantasia de que tudo é bonito e o meu objetivo é trabalhar sempre mais e mais. Quero é continuar a sentir que estou no bom caminho" (David Carreira in Caras, aqui).


A capacidade de síntese de Carreira faz inveja a muitos filósofos: o mundo da mercadoria pode ser péssimo mas eu continuarei a ver no trabalho um objectivo em si próprio; não interessa estar no bom caminho, o que interessa é apenas sentir que se está no bom caminho.



segunda-feira, 7 de maio de 2012

# 93

"A profissão mais difícil do mundo é a melhor profissão do mundo" (video). É este o lema da campanha "Obrigado Mãe" que arrancou hoje, elaborada para os Jogos Olímpicos 2012 pela Procter & Gamble, um conglomerado de empresas de mercadorias de limpeza e higiene pessoal. Assim, é-nos dito que "a P&G esteve sempre presente no negócio de ajudar as mães. Os produtos das nossas marcas ajudam a tornar a vida das mães, em todo o mundo, um pouco melhor todos os dias. É por isso que decidimos não só patrocinar os atletas olímpicos, mas também as pessoas que tornaram possível a sua presença nesta competição... as suas mães. E não falamos somente das mães dos atletas olímpicos, celebramos também o que cada mãe faz para ajudar o seu filho a ter sucesso - todas as mães, em todo o mundo".

Este pensamento miserável pode ser desenvolvido:

"Ser mãe é uma profissão difícil, sobretudo quando as mães se desdobram entre dois e três empregos. Além disso, é uma profissão que infelizmente ainda não é paga; ser mãe pertence assim ao grupo dos trabalhos precários, mas nada que uma continua luta política não resolva. Mostrar que o trabalho de mãe cria valor é portanto um desafio político de máxima urgência, e há muitas feministas que já mostraram isso mesmo. É certo que o nosso patrão macho não nos tem apoiado muitas vezes nesta luta que dura há séculos, mas há cada vez mais homens dispostos a lutar ao nosso lado pela reivindicação de um salário de mãe. Até porque isto de criar sujeitos concorrenciais para a competição olímpica no mercado universal por um posto de trabalho não pode ser tarefa exclusiva das mães. Felizmente que há empresas como a P&G, que disponibilizam não só detergentes a baixo preço, que nos ajudam na lida da casa, como fantásticos cremes e shampoos que nos mantém desejáveis durante muito mais tempo e nos possibilitam trazer ao mundo ainda mais sujeitos concorrenciais".

quarta-feira, 2 de maio de 2012

# 91

"A palavra trabalho designa toda a actividade realizada pelo homem, tanto manual como intelectual, independentemente das suas características e circunstâncias. No meio de toda a riqueza de actividades para as quais o homem tem capacidade e está predisposto pela própria natureza, em virtude da sua humanidade, qualquer actividade humana pode e deve reconhecer-se como trabalho".

(Papa João Paulo II. 1981. "Laborem Exercens. O trabalho humano", Carta Encíclica; Braga: Editorial A.O., p.7)

quarta-feira, 25 de abril de 2012

# 90

"Celebrar o 25 de Abril é celebrar o trabalho".

(Luís Caetano na emissão de hoje do Diário Câmara Clara, a propósito da exposição "O Trabalho: valor, dignificação e criatividade" organizada pela Câmara Municipal de Almada).

terça-feira, 3 de abril de 2012

# 89

“A Conferência Episcopal Espanhola tem uma nova campanha para captar seminaristas, promovendo o sacerdócio como um "trabalho fixo" que não promete "um bom ordenado" mas garante "riqueza eterna"” (...) "Somos a única classe social que não tem desemprego. No ministério sacerdotal não há desemprego, temos muito trabalho e a paga está no Evangelho e depois na vida eterna", disse o bispo Juan José Asenjo ao jornal espanhol ABC” (in Diário de Notícias, 3 de Abril de 2012; vídeo aqui).

sábado, 10 de março de 2012

# 88

Jovens oferecem sexo em troca do pagamento da faculdade. "Seeking Arrangement" é um site americano que permite aos utilizadores ganharem dinheiro em troca de sexo. Vários estudantes viram nele a possibilidade de pagar os cursos superiores e estão a ter sucesso com esta troca (in Visão, 9 de Março de 2012).


“A esfera da circulação ou do intercâmbio de mercadorias, dentro de cujos limites se movimentam compra e venda de força de trabalho, era de fato um verdadeiro éden dos direitos naturais do homem. O que aqui reina é unicamente Liberdade, Igualdade, Propriedade e Bentham. Liberdade! Pois comprador e vendedor de uma mercadoria, por exemplo, da força de trabalho, são determinados apenas por sua livre-vontade. Contratam como pessoas livres, juridicamente iguais. O contrato é o resultado final, no qual suas vontades se dão uma expressão jurídica em comum. Igualdade! Pois eles se relacionam um com o outro apenas como possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Propriedade! Pois cada um dispõe apenas sobre o seu. Bentham! Pois cada um dos dois só cuida de si mesmo. O único poder que os junta e leva a um relacionamento é o proveito próprio, a vantagem particular, os seus interesses privados. E justamente porque cada um só cuida de si e nenhum do outro, realizam todos, em decorrência de uma harmonia preestabelecida das coisas ou sob os auspícios de uma previdência toda esperta, tão-somente a obra de sua vantagem mútua, do bem comum, do interesse geral”.
(Marx, Karl. 1996b [1867]. O Capital. Crítica da Economia Política, Vol. 1, Livro Primeiro. O Processo de Produção do Capital, Tomo 1. São Paulo: Editora Nova Cultural, p. 293)

sexta-feira, 9 de março de 2012

# 87

"O que hoje dá o tom é o modelo mediático da "mulher que quer tudo", que concilia carreira e família, e ainda se embeleza diariamente, para arrancar suspiros como "objeto do desejo". Mas para a maioria isso é exigir muito, algo de todo inviável. A percentagem de mulheres que consegue tal espargata com pompa e circunstância é ínfima. Só uma reduzida minoria de "mulheres de carreira" pode dar-se ao luxo de uma tal ilusão, delegando o fardo da administração do lar, dos cuidados com os filhos etc. a empregadas domésticas (migrantes, negras, desprivilegiadas) que, por sua vez, deixam de ter tempo para seus próprios filhos. A grande maioria das mulheres está absurdamente sobrecarregada com a tarefa de responder, ao mesmo tempo, pelo dinheiro, pelas atividades domésticas e pelo "amor". Na pós-modernidade o patriarcado não desaparece, mas "se embrutece" e se estilhaça em formas múltiplas de barbárie, como escreve a feminista alemã Roswitha Scholz"